Plantas medicinais no México: Do uso tradicional à terapia psicodélica
Por Osiris García Cerqueda, Anja Loizaga-Velder, Carmen Amezcua, Raul Escamilla Orozco e Bia Labate
Bia Labate: Qual o papel das comunidades indígenas no uso, preservação e transmissão do conhecimento sobre plantas sagradas como o peiote ou a psilocibina atualmente?
Osiris García Cerqueda: Os povos indígenas vivem de acordo com suas próprias realidades e tradições, nesse sentido, suas preocupações vão além dos interesses fortemente focados das sociedades ocidentais nas plantas sagradas e no conhecimento ancestral indígena. Os povos indígenas enfrentam diversos problemas históricos dentro de seus territórios e isso acontece enquanto suas tradições resistem contra diferentes formas de dominação e esquecimento.
MUITOS POVOS E PESSOAS INDÍGENAS NÃO SABEM O QUE É O MOVIMENTO PSICODÉLICO, E NÃO TENHO CERTEZA SE ISSO LHES INTERESSA.
Muitos povos e pessoas indígenas não sabem o que é o movimento psicodélico, e não tenho certeza se isso lhes interessa. Muitos indígenas estão focados em satisfazer suas necessidades básicas, lutando por comida, moradia digna, proteção de suas famílias e também do meio ambiente. Sua luta é pela vida, e isso ajuda suas tradições e culturas a continuar existindo. Nesse sentido, a “preservação e transmissão do conhecimento” faz parte de sua vida cotidiana e dá sentido à sua existência. Eles enfrentam problemas dentro de seus territórios, por isso é difícil garantir que sua prioridade seja “ter um papel” no cenário psicodélico. Isso também é válido e legítimo: indígenas de diferentes comunidades saem de seus territórios e participam de conferências psicodélicas, ambientais e de direitos humanos para falar sobre os problemas que sofrem em seus territórios. O norte global precisa prestar atenção às vozes indígenas além das plantas sagradas.
Bia Labate: Como os marcos legais no México apoiam ou restringem o uso dessas substâncias no contexto das práticas de medicina indígena, para terapia e para pesquisa?
Anja Loizaga-Velder: Embora muitos estrangeiros vejam o México como um centro de uso e pesquisa de psicodélicos e haja uma grande quantidade de retiros psicodélicos divulgados na internet, o panorama legal do México para substâncias psicodélicas é baseado em um legado equivocado de proibicionismo e preconceito cultural geral contra essas substâncias, originário da Inquisição na época colonial. No entanto, esse panorama também é complexo, ambíguo e está em evolução. Atualmente, a maioria dos psicodélicos — incluindo cogumelos psilocibinos, peiote e DMT — ainda são classificados como substâncias controladas na Lei Geral de Saúde mexicana e são geralmente ilegais para posse, cultivo ou distribuição. No entanto, há exceções significativas enraizadas no reconhecimento dos direitos indígenas e das práticas tradicionais do México. De acordo com o artigo 195 bis do Código Penal Federal, o uso de cogumelos psilocibinos e peiote não é processado quando ocorre dentro de contextos cerimoniais indígenas tradicionais. Essa exceção legal foi criada especificamente para proteger os direitos culturais e religiosos das comunidades indígenas, que usam essas substâncias como parte de suas práticas culturais e medicinais há séculos.
Em geral, o uso terapêutico moderno de psicodélicos carece de um quadro jurídico claro e permanece numa zona cinzenta, o que tem dificultado extremamente o avanço da investigação científica no México até ao momento. Fora dos contextos cerimoniais indígenas tradicionais, a posse ou o uso de cogumelos psilocibinos ou peiote continua sendo ilegal e pode levar a penas severas, incluindo penas de prisão. A atual classificação dos psicodélicos, aliada a sistemas jurídicos não transparentes, também contribuiu, lamentavelmente, para o assédio e até mesmo a prisão de praticantes indígenas quando transportavam suas medicinas sagradas. Como resultado da guerra contra as drogas em curso no México, o governo colocou fuzileiros navais nos aeroportos para controlar a alfândega. Por meio dessas medidas punitivas, o Estado aplicou penas de prisão a quatro indígenas e quatro não indígenas que viajavam com ayahuasca para o México para fins cerimoniais e medicinais. Isso é uma violação dos direitos humanos básicos e um uso indevido do poder judicial sob o pretexto das leis de tráfico de drogas. A maioria deles foi libertada como resultado do trabalho persistente dos advogados do fundo de defesa da ayahuasca da ICEERS. Um membro indígena da tribo brasileira Noke Koi, Aku Kamanawa, após ter cumprido mais de um ano de prisão – o que foi uma experiência verdadeiramente terrível para ele – e três anos de batalhas judiciais, ainda permanece em liberdade condicional, sem poder voltar ao Brasil.
Nos últimos anos, as atitudes públicas e legislativas mudaram visivelmente. A ex-senadora Alejandra Lagunes propôs uma reforma legislativa para legalizar a psilocibina, com o objetivo de criar um quadro para o uso terapêutico e cerimonial, reconhecendo e protegendo explicitamente as tradições indígenas. Esta iniciativa reflete um movimento mais amplo no México para enfrentar os desafios da saúde mental com terapias inovadoras e posicionar o país como líder no campo emergente da ciência psicodélica.
Em resumo, embora os psicodélicos continuem sendo ilegais no México, existem importantes proteções legais para o uso cerimonial indígena, e esforços legislativos ativos estão em andamento para expandir o acesso regulamentado, particularmente para fins terapêuticos. Os próximos anos provavelmente verão uma evolução legal ainda maior, à medida que o México busca equilibrar a inovação na saúde mental com o respeito à sua rica herança ancestral. É essencial que as vozes indígenas sejam parte ativa de qualquer processo legislativo ou médico envolvendo medicinas tradicionais à base de plantas e fungos em nosso país.
Da esquerda para a direita: Bia Labate, Osiris Garcia Cerqueda, Anja Loizaga-Velder, Carmen Amezcua e Raul Escamilla Orozca. “Plant Medicine in Mexico: From Traditional Use to Psychedelic Therapy”, na Psychedelic Science 2025, 19 de junho de 2025, Denver, Colorado.
Bia Labate: Como podemos garantir que o movimento de medicalização dos psicodélicos não resulte na apropriação ou apagamento das tradições e cosmologias indígenas?
Carmen Amezcua: A resposta, acredito, começa com uma mudança fundamental: devemos passar da extração para a colaboração. Isso significa centrar a liderança indígena não apenas simbolicamente, mas estruturalmente — na pesquisa, nos protocolos clínicos e nos benefícios econômicos derivados dessas práticas.
Co-projetar estruturas terapêuticas com curandeiros tradicionais, e não apenas consultá-los, é um passo fundamental. Trata-se de poder de decisão, não apenas de representação. Esse processo deve estar enraizado em uma estrutura de reciprocidade ética — o que alguns de nós chamamos de sete R's: Reverência, Respeito, Responsabilidade, Relevância, Regulamentação, Reparação e Reconciliação.
No México, onde plantas sagradas como o peiote (hikuri) e os cogumelos psilocibinos são usados cerimonialmente há séculos, essas questões são profundamente sentidas. Os Wixárika, Mazatecos e outros grupos indígenas emitiram declarações claras denunciando a exploração de seus rituais e alertando contra a degradação ecológica e cultural causada pelo turismo e pela comercialização. No entanto, com muita frequência, suas estruturas espirituais são reduzidas a elementos estéticos ou desprovidas de significado para se encaixar em um molde clínico.
UM GRANDE RISCO DO PROJETO DE MEDICALIZAÇÃO É QUE ELE PODE RETIRAR ESSAS PLANTAS DE SEU CONTEXTO — BIOLOGIZANDO O QUE É ESPIRITUAL, QUANTIFICANDO O QUE É PROFUNDAMENTE QUALITATIVO. AO FAZER ISSO, CORREMOS O RISCO NÃO APENAS DE ACHATAR A COMPLEXIDADE CULTURAL DESSAS MEDICINAS, MAS TAMBÉM DE MINAR SUA EFICÁCIA.
Um grande risco do projeto de medicalização é que ele pode retirar essas plantas de seu contexto — biologizando o que é espiritual, quantificando o que é profundamente qualitativo. Ao fazer isso, corremos o risco não apenas de achatar a complexidade cultural dessas medicinas, mas também de minar sua eficácia.
Essas plantas não são meros agentes farmacológicos; elas são entendidas por muitas tradições indígenas como entidades — professores, guias, seres espirituais. Para integrá-las de forma significativa, devemos estar dispostos a expandir nossos modelos de cura para incluir dimensões espirituais e cosmológicas, mesmo quando elas desafiam nossos paradigmas científicos.
Modelos de compartilhamento de benefícios também devem ser implementados. Isso significa criar estruturas éticas de licenciamento que garantam que as comunidades indígenas sejam diretamente beneficiadas — financeiramente, ecologicamente e culturalmente — por qualquer comercialização do conhecimento tradicional. Significa também proteger territórios sagrados da exploração excessiva e impedir o surgimento dos chamados “xamãs de plástico”, que se apropriam de rituais para ganho pessoal.
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Bia Labate: Desde a perspectiva de um profissional do sistema de saúde pública, por que você considera necessária uma mudança regulatória?
Raul Escamilla Orozco: Em primeiro lugar, para garantir a segurança, a qualidade e a responsabilidade. No atual estado de confusão jurídica em relação aos enteógenos, não existe um padrão definido pelo qual as pessoas possam julgar uma prática insegura e, portanto, tanto os usuários quanto os fornecedores estão em risco. Uma abordagem regulatória estabeleceria normas para o treinamento, a certificação e a qualidade dos profissionais, especialmente aqueles que atuam na interseção entre os ambientes tradicionais e clínicos.
Em segundo lugar, para preservar o conhecimento indígena e tradicional. Os fundamentos dos enteógenos estão profundamente enraizados na cosmologia e na cultura indígena mexicana, bem como nas práticas dos curandeiros. As leis atuais sobre drogas muitas vezes criminalizam essas práticas milenares de saúde ou as restringem a uma “isenção cultural”, que não oferece garantia de proteção e representa zero integração à saúde pública. Com a introdução de regulamentações, os sistemas de medicina tradicional podem ganhar reconhecimento legal. Dessa forma, curandeiros locais e indígenas podem colaborar com instituições de saúde pública para promover modelos de assistência médica intercultural.
Em terceiro lugar, o México enfrenta sérios problemas nas áreas de saúde mental e dependência química, muitas vezes exacerbados pela violência física ou estrutural. Os enteógenos podem ser usados como adjuvantes no tratamento de vários transtornos mentais graves, apoiados por um crescente corpo de dados científicos (principalmente depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, dependência química e angústia existencial). A reforma regulatória criaria protocolos clínicos, diretrizes éticas e uma infraestrutura de pesquisa necessária para oferecer esses tratamentos de maneira segura, acessível e equitativa.
O próximo ponto é que, sob o atual quadro de proibição, certos grupos marginalizados são mais fortemente afetados. Assim, tanto a doença mental quanto a medicina tradicional são estigmatizadas. Agora, tanto a legislação quanto a regulamentação são necessárias para transformar o quadro de punição em um que beneficie o indivíduo e promova um modelo terapêutico de saúde pública.
Vários obstáculos significativos impedem a pesquisa científica mexicana sobre enteógenos, decorrentes de razões ecológicas e geográficas. A reforma da legislação permitirá ao México realizar ensaios clínicos, prosseguir com a pesquisa acadêmica e inovar de forma ética, preservando os seus próprios sistemas de conhecimento.
Por fim, países como Suíça, Brasil, Austrália, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia reorientaram suas políticas para apoiar terapias enteógenas em seus sistemas de saúde pública. Como signatário de tratados internacionais de direitos humanos e tratados internacionais de saúde, o México deve fornecer os cuidados mais eficazes, culturalmente específicos e baseados em evidências disponíveis.
O controle não é apenas uma questão de legalidade, mas um imperativo para a saúde pública. Isso é crucial para garantir a segurança no uso, ajudar a utilizar o conhecimento tradicional de forma mais eficaz, ampliar as opções de tratamento e transformar o atual sistema de saúde mental do México em um modelo mais abrangente e eficaz.
Bia Labate: Como terapeutas e pesquisadores podem colaborar com líderes indígenas de maneira respeitosa, recíproca e legalmente adequada?
Osiris García Cerqueda: Meu ponto de partida é como membro da comunidade mazateca e nativo de Huautla de Jiménez. Há setenta anos, este lugar é referência quando se fala de cogumelos sagrados e María Sabina. A história é longa e é urgente dizer que o movimento psicodélico global e a ciência psicodélica existem graças ao conhecimento que os povos indígenas forneceram voluntária ou involuntariamente. Nessa perspectiva, pesquisadores e cientistas têm desempenhado um papel determinante nesse processo, legitimando suas narrativas a partir da ciência e de uma superioridade racial, econômica e cultural.
Atualmente, há tentativas de apropriação cultural e legitimação de coisas sobre plantas sagradas que os povos indígenas não conhecem. Assim, as práticas neocolonialistas são intensificadas com narrativas científicas, acadêmicas e espirituais. Mesmo com essa violência, os povos indígenas compartilharam seus conhecimentos e continuam a fazê-lo para a cura de pessoas com problemas psicoemocionais. O desafio para os ocidentais é questionar-se sobre a origem dessas doenças e se é justo acreditar que tudo pode ser curado com doses heróicas de plantas sagradas.
Este preâmbulo serve para dizer que não existe uma fórmula para resolver os conflitos do colonialismo sobre os territórios indígenas, mas existem propostas que tentam construir relações justas entre o norte global e os povos indígenas com base no diálogo e no respeito pela autonomia indígena, seus conhecimentos e plantas sagradas. É preciso haver muitos diálogos para criar protocolos, ativar leis que garantam a defesa dos povos indígenas, seus direitos, seus territórios e seus conhecimentos ancestrais.
É importante reconhecer os esforços dos aliados não indígenas em tentar construir reciprocidade e pontes entre o norte e o sul globais para reparar, restaurar e preservar muitos dos elementos culturais indígenas. Muitos deles tentam compreender as complexidades das realidades indígenas e sabem que este é um longo caminho, mas com impactos benéficos para a humanidade. Nesse processo, as vozes indígenas devem assumir o papel de liderança e evitar que os esforços e a boa vontade sejam cooptados por agendas particulares nas comunidades indígenas e no norte global.
Arte de Pedro Mulinga.
Bia Labate: Dada sua rica tradição no uso de plantas sagradas e sua comunidade científica contemporânea, como o México pode contribuir de forma única para o movimento psicodélico global?
Anja Loizaga-Velder: O México ocupa uma posição única no movimento científico psicodélico global, e suas contribuições potenciais são profundas e multifacetadas. Em primeiro lugar, o legado histórico do México com plantas sagradas — como cogumelos psilocibinos, peiote e salvia divinorum— antecedea ciência ocidental em séculos. As culturas indígenas desenvolveram estruturas cerimoniais sofisticadas para esses medicamentos. Essas tradições vivas não são apenas históricas; elas continuam vivas, com curandeiros e comunidades indígenas preservando, adaptando e transmitindo ativamente seus conhecimentos até hoje. A história de María Sabina, a chota-a tchi-née mazateca, cujas cerimônias introduziram os cogumelos psilocibinos ao mundo, é emblemática. Seu legado — e o de inúmeros praticantes indígenas anônimos — demonstra a profundidade da sabedoria etnobotânica do México. Este é um recurso de importância global: o contexto cerimonial, a ênfase no ambiente e na integração da comunidade são agora reconhecidos na pesquisa clínica como fatores críticos para uma terapia psicodélica segura e eficaz. Ao compartilhar essas estruturas e insistir em sua integração ética e recíproca nos esforços globais de saúde mental com psicodélicos, o México pode ajudar a moldar a ciência psicodélica para que seja mais integrativa, respeitosa e eficaz.
Em segundo lugar, a biodiversidade do México é extraordinária. É o lar da maior variedade de espécies psicoativas do mundo, muitas das quais ainda não foram estudadas ou totalmente compreendidas. Essa riqueza ecológica oferece oportunidades para pesquisa científica, conservação e desenvolvimento responsável de novas abordagens terapêuticas. Ao mesmo tempo, coloca o México no centro de discussões urgentes sobre conservação biocultural — como proteger tanto as plantas quanto os contextos culturais que lhes dão significado.
A comunidade científica contemporânea do México está cada vez mais envolvida com essas questões. Há também um movimento crescente para garantir que as vozes indígenas não sejam apenas incluídas, mas tenham um papel central nessas discussões, promovendo modelos de colaboração, compartilhamento de benefícios e soberania indígena.
O APETITE GLOBAL POR EXPERIÊNCIAS E TERAPIAS PSICODÉLICAS CORRE O RISCO DE MERCANTILIZAR E MEDICALIZAR PLANTAS SAGRADAS E APROPRIAR-SE DO CONHECIMENTO INDÍGENA. A CONTRIBUIÇÃO DO MÉXICO, PORTANTO, TAMBÉM DEVE SER ESTABELECER PRECEDENTES ÉTICOS.
No entanto, existem desafios importantes. O apetite global por experiências e terapias psicodélicas corre o risco de mercantilizar e medicalizar plantas sagradas e apropriar-se do conhecimento indígena. A contribuição do México, portanto, deve ser também estabelecer precedentes éticos: demonstrar como as nações podem proteger os direitos indígenas da biopirataria, apoiar a conservação biocultural e promover relações respeitosas e recíprocas entre os guardiões tradicionais e o mundo científico.
Em resumo, a contribuição única do México reside em sua capacidade de unir a sabedoria ancestral e a ciência moderna, oferecer modelos vivos de uso cerimonial, proteger e estudar sua biodiversidade incomparável e liderar pelo exemplo em políticas éticas e colaboração. Ao fazer isso, o México pode ajudar a garantir que o movimento psicodélico global não seja apenas inovador, mas também justo, sustentável e profundamente enraizado no respeito pelas culturas e ecossistemas dos quais essas medicinas se originam.
Bia Labate: Como os profissionais mexicanos de psicologia e psiquiatria veem a integração da medicina tradicional à base de plantas nos modelos modernos de saúde mental?
Carmen Amezcua: Dentro da psicologia e da psiquiatria mexicanas, há um reconhecimento crescente do valor da medicina tradicional. Condições como susto, nervios e espanto — há muitomarginalizadas pela nosologia ocidental — estão sendo cada vez mais reconhecidas como expressões culturalmente relevantes de sofrimento psicológico. Em instituições públicas, especialmente em áreas rurais, curandeiros e fitoterapeutas já estão sendo integrados aos programas de saúde, embora de maneira informal.
No entanto, o campo permanece dividido. Enquanto alguns médicos e pesquisadores abraçam o potencial de psicodélicos como a ayahuasca e a psilocibina, outros permanecem cautelosos, citando a necessidade de evidências mais robustas. O que falta, em muitos casos, é uma estrutura para a medicina intercultural — que não romantize nem rejeite o conhecimento tradicional, mas busque maneiras de combiná-lo respeitosamente com abordagens biomédicas.
Esforços pioneiros estão surgindo. Estudos-piloto estão sendo conduzidos sobre protocolos de terapia assistida por psicodélicos adaptados culturalmente. Programas de treinamento para profissionais de saúde mental estão começando a incluir módulos sobre cuidados espirituais, segurança ritual e humildade cultural. Esses são sinais promissores.
Acredito que o caminho a seguir está na síntese intercultural — não na uniformização ou diluição de qualquer uma das visões de mundo, mas em um espaço cuidadosamente negociado onde múltiplas epistemologias possam coexistir.
Isso requer tempo. Requer confiança. E requer uma humildade radical por parte daqueles de nós treinados nos modelos ocidentais de cuidados.
Não somos os primeiros a descobrir esses medicamentos. Estamos chegando tarde a uma conversa que já dura gerações. O mínimo que podemos fazer é ouvir — profundamente, com respeito e com a consciência de que a verdadeira cura só pode ocorrer quando honra não apenas o indivíduo, mas também a cultura, a terra e o espírito de onde ela surge.
Da esquerda para a direita: Osiris Garcia Cerqueda, Anja Loizaga-Velder, Carmen Amezcua e Raul Escamilla Orozca. “Medicina vegetal no México: do uso tradicional à terapia psicodélica”, na Psychedelic Science 2025, em 19 de junho de 2025, em Denver, Colorado.
Bia Labate: Como o público internacional, os profissionais e os pesquisadores podem apoiar a preservação da sabedoria ancestral do México sobre as plantas de maneira ética e significativa?
Raul Escamilla Orozco: Em primeiro lugar, agindo sob a supervisão dos povos indígenas, não simplesmente como consultores ou símbolos da indigenização. Garantir que todas as atividades de pesquisa e cooperação observem o Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC). Nunca se envolver em práticas que extraiam sabedoria. Ela não deve ser transformada em mercadoria, nem substituída por algo sem valor comunitário ou ambiental.
Em segundo lugar, o conhecimento coletivo e as informações tradicionais são propriedade pública. Ajudar a estabelecer proteção legal (por exemplo, direitos bioculturais, acordos de repartição de benefícios, áreas protegidas) para o conhecimento tradicional e seus produtos. Sem consentimento informado específico, não publicar ou registrar no sistema de patentes qualquer conhecimento obtido das comunidades.
Em terceiro lugar, os sistemas de governança indígena e as formas como eles estipulam o uso de plantas medicinais devem ser respeitados. Devemos financiar ou promover projetos comunitários, como programas de conservação e educação cultural, que ajudam a manter vivos os costumes tradicionais.
Precisamos coordenar com os detentores do conhecimento tradicional para desenvolver modelos de cuidados interculturais que combinem a sabedoria ancestral com a medicina baseada em evidências. Os detentores do conhecimento tradicional devem ser coautores, quando apropriado. Os resultados da pesquisa devem beneficiar as comunidades, não apenas instituições ou empresas privadas.
Apoie discussões e intercâmbios culturais que permitam que ambas as partes aprendam umas com as outras, em vez de se concentrar no turismo ou no turismo religioso. Cerimônias, símbolos ou o uso de plantas medicinais nunca devem se tornar propriedades comercializadas em retiros ou indústrias de bem-estar.
USE SUA INFLUÊNCIA PARA DAR VOZ AOS INDÍGENAS NOS DEBATES SOBRE POLÍTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. INCENTIVE REFORMAS QUE RESPEITEM O STATUS SAGRADO DE PLANTAS COMO O PEIOTE E PROTEJAM-AS DA COLHEITA EXCESSIVA, DA COMERCIALIZAÇÃO E DA CRIMINALIZAÇÃO.
Use sua influência para impulsionar as vozes indígenas nos debates sobre políticas nacionais e internacionais. Incentive reformas que respeitem o status sagrado de plantas como o peiote e protejam-as da colheita excessiva, comercialização e criminalização. A legislação não deve abolir os usos tradicionais das plantas ou transformar sua observância em um ato criminoso.
Por fim, devemos fornecer apoio financeiro, locais, oportunidades de treinamento e pontos de entrada institucional para acadêmicos, jovens e profissionais indígenas em seus próprios termos. No financiamento de pesquisas e oportunidades para publicar artigos, desafie o desequilíbrio existente que favorece os países ricos e industrializados.
Em suma, da curiosidade à solidariedade, da extração à reciprocidade e do consumo à conservação, os parceiros internacionais devem mudar sua atitude em relação ao patrimônio espiritual tribal. Para preservar a sabedoria ancestral das plantas do México, será necessária muita humildade, relacionamentos de longo prazo e justiça, não apenas admiração pela força dessas plantas. Os papéis do público internacional, dos praticantes e dos pesquisadores são cruciais para preservar a antiga sabedoria das plantas do México. No entanto, precisamos abordar este trabalho com respeito, compromisso e humildade.
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Nota: Este artigo foi apresentado em uma mesa redonda chamada “Plant Medicine in Mexico: From Traditional Use to Psychedelic Therapy” na conferência Psychedelic Science 2025 (Denver, Colorado) em 19 de junho de 2025 e publicado originalmente em inglês no site Chacruna Institute.
Capa de Mariom Luna.
Osiris García Cerqueda
Osiris García Cerqueda, PhD, é historiador e sociólogo mazateca de Huautla de Jiménez, Oaxaca. Ele é coordenador do Programa IRI da Chacruna.
Anja Loizaga-Velder
Anja Loizaga-Velder, PhD, é psicóloga clínica que investiga há vinte anos o potencial terapêutico do uso ritual de plantas psicodélicas. Ela é diretora de pesquisa e psicoterapia do Instituto Nierika, no México.
Carmen Amezcua
Carmen Amezcua é médica e tem mais de 24 anos de experiência em liderança na área da saúde. Formada em terapia assistida por psicodélicos pelo IPI, atualmente ministra cursos sobre cannabis medicinal, psiquiatria integrativa e medicina psicodélica.
Raul Escamilla Orozco
Raul Escamilla Orozco é cirurgião e parteiro pela UANL (Universidade Nacional Autônoma do México) e psiquiatra especializado em esquizofrenia pela UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México).
Bia Labate
Bia Labate é doutora em antropologia. Publicou 28 livros e 3 edições especiais de revistas sobre plantas medicinais psicodélicas, xamanismo, religião, rituais, políticas de drogas e justiça social. É cofundadora e diretora executiva do Instituto Chacruna.